quarta-feira, 22 de junho de 2016

UM AUTOR MACROCÉFALO II

 Como vai, paciente leitorCertamente, um tanto quanto perplexo e deveras indignado com a tal história de Trancoso sobre a falência do Estado do Rio de Janeiro. Perde-se o controle da situação em virtude dos sistemáticos desvios do dinheiro público. Não revoltado, leitor. Roubo não. Eles não roubam. São gente de bem, cidadãos probos e honrados, a glória nacional. Perde-se a vergonha e o respeito pela população e surge a solução descarada - o Estado do Rio de Janeiro pede falência. Não se tem dinheiro para o pão do servidor público, mas sobra para bancar os jogos olímpicos.Nada contra o evento, mas quem não tem competência não se estabelece. É a loucura tomando conta do Estado, o país já virou hospício ou circo, sei lá.
    Falando em loucura, benevolente leitor, largamos a velha JOANA enlouquecida, velando os corpos de TORQUATO e JUCA. Mas, a tragédia da velha escrofulosa não fica por aí. Não mesmo. Outro seringueiro, de nome TIAGO, bem jovem, cuida de sequestrar e se apropriar da desgraçada velha, conduzindo-a para o interior da floresta.
    Ali se haviam homiziado o seringueiro faminto de longa data e a imbecil anestesiada para quaisquer ulteriores emoções fisiopsíquicas. Era uma gruta favorável à ceva do raptor e Tiago ali se ocultou, despercebido dos perseguidores... E como numa súbita irrupção estardalhosa o orgasmo monstruoso o empolgasse, ele se atirou, com a bruteza dos irracionais ao ósseo pasto esclerosado da idiota e tonitruou com a violência dos testudos e felinos. Joana nem sequer se lhe mostrava indiferente e ele nos patológicos arreganhos crescentes, foi rangendo os dentes e crispando as unhas, atritando com fereza o engelhamento estrutural  da repulsiva megera sucuba... Desusada excitabilidade aprestava-o a todas as fúrias mórbidas em semelhante carcaça decrépita e insensível e ele capridesco e insaciado, a cada vez mais a exortava a compartilhar de seus gozos para deles fruir melhor sabor. E passou dessas marradas e apertões violentos a fúria sanguinária das onças-pintadas, que dilaceram para aumentar, nos paroxismos da dor, a brutalidade do prazer, mordia as apingentadas tetas da desgraçada, unhava-lhe o torso, a cintura e as nádegas, friccionava-lhe as pantorrilhas e as plantas, como para desemperrar a dormência senil da esclerose.
    Num desses desregramentos lascivos, atritou-lhe bem a língua na abóbada palatina e como lhe sentisse os pródromos de uma vitalidade restaurante, abalou-a com mais violentos empuxões e com ferocíssimas raspagens das unhas à altura dos rins decrépitos... E como com semelhante dor multiforme a velha se exacerbasse, a sua única lasca de dente feriu a língua do agente e ele, exaltado e doido, num frenesi de libidinagem, como que se exasperou em procurar naquela boca alguma outra lasca abrolhante para a patologia das sensações... Decepcionado, todavia, ele mordeu a língua trêmula de Joana e lhe acordou de repente uma violência satânica de maracajá em estertores lúbricos. E numa suprema concentração de forças, ela premiu contra as desdentadas mandíbulas a língua de Tiago e, embebido todo o canino pontiagudo na polpa flácida, dilacerou-lhe vasos e veias, sob uma dor terrível e mortal. 
    Fisgado pela língua, que se esfrangalhava entre borbotões de sangue, aos esforços de arrancá-la ao dente danoso, o homem enlouquecia. Escalavrou com as unhas ríspidas toda a esquelética estrutura da megera e não a demoveu um instante da danação tremenda.
    A farta hemorragia produziu-lhes o grudamento das duas caras, sob uma aderência hermética tirante a betume e, então, nos estertores morbosos, ei-lo que nas vascas da asfixia espalma as duas mãos fortes pela cara de Joana como para descerrar-lhe ainda os queixos e impotente e louco, rasga-lhe as bochechas e arranca-lhe com os dois dedos médios os olhos esbugalhados na morbidez da dor e da luxúria!

    Impossível permanecer indiferente diante de cena tão macabra, patética e chocante. Cena de cinema, tal a sucessão veloz e precisa das imagens. O tecido narrativo explode na precisão descritiva e na força verbal alucinante. A estranheza do vocabulário acaba criando uma dimensão fantástica, onde a brutalidade e a fúria animalescas explodem sem qualquer controle ou menor vexame. A linguagem desabusada, singular, inusitadamente perfeita, transmite-nos as sensações dos personagens, de forma inequívoca. Os adjetivos cortam feito facas afiadas fazendo sangrar expressões sinistras e de estupidificante morbidez. A hemorragia física dos personagens corresponde uma espécie de hemorragia verbal, uma sangria vocabular desatada. 
   Pois é, paciente leitor, não há como negar os méritos do Sr. Carlos de Vasconcelos. Escritor singular, sem dúvida, livro ímpar esse DESERDADOS, com certeza.
    Sérias questões sociais também são levantadas e expostas com primor e maestria no livro em questão que cuida da tragédia do sertanejo cearense na Amazônia, durante o famigerado ciclo da borracha.
    Mas, deixemos tal assunto para outra ocasião, pois não pretendo, de forma alguma, esgotar o gentil leitor e a prestimosa leitora. Ademais, está fazendo frio danado, dezoito graus centígrados, aqui em Araruama, beira da lagoa, noite escura, vento de chicote, um princípio de chuva. Então, ao cafezinho com aipim na manteiga e depois um bom livro. Até mais.                 
Jaime

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