domingo, 25 de dezembro de 2016

CINCO MINUTOS - NON TI SCORDAR DI ME !

CINCO MINUTOS
NON TI SCORDAR DI ME !

Boa tarde, generoso leitor!
Antes de qualquer coisa, um feliz Natal!
Hoje cuidaremos de um escritor deveras famoso, mas cuja leitura e análise da obra por parte da crítica se fez de forma apressada, cristalizando algumas conclusões equivocadas que se transformaram em verdades difundidas. Aqui, se pretende ou quando menos, se propõe uma espécie de revisão de José de Alencar, sobretudo aquele dos primeiros romances. Por se tratar de matéria extensa, faremos a exposição em três etapas, visando não fatigar nosso paciente leitor. Vamos lá!
PARTE I
            Trata-se aqui do primeiro romance escrito por José de Alencar, Cinco Minutos, e que apareceu nas páginas do Diário do Rio de janeiro, no ano de 1856, sendo a primeira edição em livro levada a efeito em 1860.

                                                                    JOSÉ DE ALENCAR
                                                                                                                                                        IMAGENS DO GOOGLE

            Estruturalmente, a narrativa comporta dez capítulos curtos, indicados por algarismos romanos. A trama desenrola-se na cidade do Rio de Janeiro, provavelmente, no ano de 1854, já que o narrador-personagem, vivendo em 1856, afirma que vai contar uma história curiosa que ocorreu há mais de dois anos. Não se pode esquecer incursões a Nápoles, Alemanha, França e Grécia.
  Em síntese, o pequeno livro cuida do romance entre Carlota e o narrador-personagem, iniciando-se com um encontro fortuito e terminando com um feliz casamento realizado em Florença, na Igreja de Santa Maria Novela. Retornando ao Brasil vão habitar, na quebrada de uma montanha um lindo retiro, um verdadeiro berço de relva suspenso entre o céu e a terra por uma ponta de rochedo. Entretanto, antes de atingir tal estado de graça, amor e paz, nossos heróis tiveram que enfrentar duríssimas provas, encontros, desencontros e, sobretudo, a doença de Carlota.
            Os espaços públicos e seus logradouros vão constituir o palco onde transitam as personagens no desenrolar da trama romanesca. Largo do Rocio, atual praça Tiradentes, Engenho Velho, hoje Grande Tijuca, Glória, Andaraí e também Petrópolis.
            Os personagens principais são Carlota e o próprio narrador, que formam o casal de apaixonados. Contamos, no mesmo passo, com a participação de figuras menores. Uma velha que passeava pelo braço de um inglês, franco e cavalheiro, um criado de fisionomia sisuda, D..., a prima com quem dialoga o narrador em alguns momentos, Dr. Valadão, velho médico que sabia ler o corpo humano como um livro aberto, o dono de um cavalo, um velho pescador e outro homem. 


imagem do google


            O cenário principal é a cidade do Rio de Janeiro, possivelmente, no ano de 1854, quando a cidade já ganhara a iluminação a gás, reinava D. Pedro II, a Rua do Ouvidor catalisava todo bulício da Corte, concentrando as maiores e mais importantes casas de comércio e o incansável Barão de Mauá procurava desenvolvê-la a todo transe. Também se procedia à reforma do ensino primário e secundário, com a edição do Decreto 1.331-A, trazendo a rubrica de sua Majestade Imperial e sob os auspícios do Sr. Ministro de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro Luiz Pereira do Couto Ferraz. Alguém já disse que aquele Rio Imperial era uma verdadeira esquina do mundo. Mas, a crise política e econômica já dava os seus primeiros e graves sinais.
            O móvel da narrativa é um encontro fortuito que gera uma espécie de amor que não se extingue, apesar dos obstáculos que vai enfrentar. Assim, o personagem-narrador, que aqui se confunde com o personagem central, será o organizador e o condutor da narrativa, estruturando o universo ficcional. Será ele o regente sob cuja batuta os demais instrumentos irão executar o arranjo romanesco. Trata-se, portanto de uma narrativa de semiotização do personagem, como será demonstrado mais adiante.
            A essa altura cumpre esclarecer que estamos utilizando os critérios teóricos elaborados por Anazildo Vasconcelos da Silva, no excelente livro Semiotização Literária do Discurso, publicado no ano de 1984, pela Editora Elo, no Rio de janeiro.
            Colhendo as lições daquele ilustre mestre do qual tivemos a honra de ser discípulo, nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o personagem, através de sua dinâmica subjetiva, investe semiologicamente o discurso narrativo, ocorre a narrativa de semiotização do personagem. Aqui, semiotizar equivale dizer “dar sentido a partir de “. Integrando-se ao fio narrativo, a dinâmica do personagem passa a ser a imagem estruturante do mundo ficcional, submetendo o espaço e o acontecimento. Como consequência é a dinâmica subjetiva do personagem que dá sentido ao acontecimento e, no mesmo passo, fundamenta o espaço narrativo, realizando-os como experiência pessoal. Voltemos ao livro de Alencar.
            Objetivando levar a efeito nossa leitura, vamos dividir o romance em três movimentos. O primeiro movimento será representado pelo capítulo I. O segundo movimento será sustentado pelos capítulos II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX. E o terceiro movimento atualizado pelo capítulo X. Trata-se, portanto, de uma narrativa bastante linear na qual os movimentos estão a indicar, inequivocamente, início, meio e fim, como naquelas narrativas simples que assentam na oralidade. O próprio narrador vem confirmar nossa assertiva quando afirma que é uma história curiosa a que vou lhe contar, minha prima. Exatamente a partir daí tem início a trama romanesca.
O ENCONTRO
Ao primeiro movimento, constituído, exclusivamente, pelo capítulo I, vamos denominar o encontro e é nele que se dá a apresentação de uma misteriosa mulher que será a mola propulsora da narrativa. Vamos surpreendê-la na parte traseira de um veículo coletivo que trafegava do centro da cidade, mas precisamente do Largo do Rocio com destino ao Andaraí. Seriam seis horas da tarde, portanto, quase noite. Na verdade, já era noite, pois o narrador-personagem perdera o ônibus das seis, só conseguindo embarcar no das sete. Na forma de costume foi sentar-se ao fundo do carro, a fim de ficar livre das conversas monótonas. No entanto, um monte de sedas já ocupava aquele espaço, acomodando-se para facilitar nosso herói que se sentiu um tanto quanto à vontade com a aparente receptividade daquela sutil presença feminina. O seu instinto femeeiro nos é revelado no momento em que o narrador, sem qualquer constrangimento, afirma em tom de picardia que ele prefere sempre o contato da seda à vizinhança da casimira. Sentindo-se magnetizado por aquela encantadora e misteriosa figura, emprega o rapaz todo esforço para desvendá-la. Assim, seu primeiro cuidado foi ver se conseguia descobrir o rosto e as formas que se escondiam naquelas nuvens de seda e de rendas. Infelizmente, era impossível. Além da noite estar escura, um maldito véu que caía de um chapeuzinho de palha não deixava a menor esperança ao aflito moço.
            Já um tanto quanto resignado, o rapaz deixa seu pensamento vagar pelo mundo da fantasia. De repente, sente o contato suave de um outro braço que parecia macio e aveludado como uma folha de rosa. É que, para grande surpresa do rapaz, o contato físico se foi estreitando, como se ele estivesse sentado junto a uma mulher que já o amava. A pressão entre os corpos torna-se mais forte. Ele sente o ombro dela aconchegar-se de leve ao seu peito. Em virtude daquele contato voluptuoso, o rapaz colou os lábios no ombro da moça que estremecia de emoção. Estabelece-se entre os dois jovens uma espécie de colóquio amoroso marcado pelo silêncio e, sobretudo, por contatos excitantes e breves nos quais as mãos e os lábios expressam todo magnetismo da atração recíproca. Não se deve deixar passar impunemente o bafejo suave de aroma de sândalo que exala do corpo feminino. Aroma que aspirado voluptuosamente pelo rapaz infiltra-se-lhe na alma como um eflúvio celeste. Estava nosso herói como que embriagado e mergulhado em profundo devaneio, uma espécie de êxtase erótico, quando o ônibus parou e uma senhora ergueu-se e saiu. O rapaz sente, ainda, um aperto na mão e vê uma silhueta feminina passar diante dos seus olhos no meio do ruge-ruge der um vestido. Era a mulher misteriosa que abandonava o veículo abruptamente. A sorte do moço estava lançada – Non ti scordar di me !